30 abril, 2009

"O dia seguinte foi para Ema um dia sombrio. Tudo lhe parecia envolto em negra atmosfera que pairava confusamente sôbre as coisas, e a tristeza engolfava-se em sua alma como bramidos lamentosos, como o vento de inverno nos castelos abandonados. Era o devaneio do que não voltaria mais, a lassidão que nos toma depois de cada fato consumado, a dor, enfim, que nos traz a interrupção de todo movimento habitual, a cessação brusca duma vibração prolongada.

Como na volta de Vaubyessard, quando as quadrilhas lhe turbilhonavam na cabeça, sentia-se possuída de morna melancolia, de um desespêro entorpecedor. Léon reaparecia-lha mais alto, mais belo, mais suave, mais impreciso. Mas, à lembrança da baixela de prata e das facas de madrepérola, ela não estremecia tanto quanto ao lembrar-se do seu riso ou da sua dentadura alva. Vinham-lhe à memória palavras mais melodiosas e penetrantes do que o som de uma flauta, do que a harmonia dos bronzes; olhares incendiados, que ela havia surpreendido, com girôndolas de cristal. E o perfume de sua cabeleira, a suavidade de seu hálito faziam-na inalar o ar com mais intensidade que a tepidez das estufas cálidas, que o perfume das magnólias. Embora longe, êle não a deixara, estava ali; e as paredes da casa pareciam conservar sua sombra. Ela não podia arrancar os olhos do tapete em que êle pisara, das cadeiras vazias em que se sentara. O riacho continuava correndo, impelindo lentamente suas pequenas ondas na margem escorregadia. Êles muitas vêzes haviam passado por ali ao som daquele murmúrio das ondas nos seixos cobertos de musgo. Que bons dias tinham vivido, que tardes suaves, sòzinhos, à sombra, no fundo do jardim! (...)

Ah! Êle partira, o único encanto de sua vida, a única esperança possível duma felicidade! Por que não agarrara aquela ventura, quando ela lhe aparecera? Por que não a tinha retido em ambas as mãos, quando ela quisera ir-se? (...)"

Gustave Flaubert, 1971.

Um comentário:

Unknown disse...

Estive por aqui lendo e aprendendo com o seu blog! Ademar Abraços!!